sábado, 14 de setembro de 2013

APENAS MAIS UMA SEXTA-FEIRA

A lua cheia começava surgir no céu quando saiu de casa, após um longo tempo se limpando. Olhou com cuidado para os dois lados da rua, para certificar-se de que não havia ninguém. Correu pela calçada, onde ainda se notava algumas poças d'água da última chuva, mas foi habilidoso em desviar de cada uma delas. Se manteve entre as sombras, para evitar olhares curiosos. Sabia muito bem se disfarçar. Isso era extremamente essencial em sua condição. As presas mal o notavam, até que já estivesse sobre elas. Era uma habilidade ajudava a manter seu estômago cheio. Mas não era apenas isso. Sua agilidade era impressionante, mesmo entre os seus iguais.

Atravessou rapidamente a pequena praça em frente à igreja matriz da cidadela. Se enfiou por entre os altos arbustos, mas logo percebeu que era uma péssima ideia. A vegetação estava encharcada e acabou se molhando também. Deu mais uma corrida, mas não se tocou de um arame preso a uma árvore no centro da praça. Sentiu as farpas lhe rasgarem a carne na altura dos ombros. A dor foi tão aguda e repentina que não conseguiu segurar o grito gutural de dor. Lambeu o ombro esquerdo, de onde gotículas de sangue de um vermelho intenso formavam um belo contraste com o negro sobre sua pele.

O gosto do sangue só aumentou sua fome. Era melhor se apressar, antes que a lua tomasse conta do céu e sua luz se espalhasse por todos os lugares. Como odiava a lua cheia. Tinha essa habilidade de enxergar muito bem na noite. A lua não fazia diferença para ele. Na verdade, esse maldito astro no céu só ajudava suas vítimas, que acabavam percebendo sua aproximação. Isso exigia que as perseguisse por um pouco mais de tempo, o que não o impedia de se saciar de sangue. Saltou sobre uma pequena moita de azaleias recém plantadas. Mal apoiou os pés do outro lado sentiu uma dor profunda na têmpora direita. Ainda atordoado sentiu o sangue lhe escorrer pela face. Aos seus pés, estava a pedra que fora arremessada. Saia daqui, criatura maldita, gritou uma menina do outro lado da rua. Filho do demônio que vem apenas para nos trazer desgraça, esbravejou uma velha gorda vestida de negro, atirando outra pedra que passou raspando por sua cabeça.

A única reação que teve foi disparar pela rua mais próxima, mas logo se deparou com mais pessoas que aproveitavam a brisa fresca daquela noite. Ao vê-lo, um garotinho começou a chorar, agarrado à saia da mãe que se mantinha imóvel com os olhos arregalados. O pai pegou um pedaço de pau que estava ao lado da calçada e correu atrás dele. Maldição dos infernos que nos assombra, gritou jogando o porrete, que passou zunindo sobre sua cabeça. Não tinha outra saída. Teve de correr para as escadarias da igreja. Correu o máximo que conseguiu, ouvindo os gritos e xingamentos atrás dele. Desgraça! Flagelo! Ainda mais em uma sexta-feira 13, berrava uma mulher logo que atingiu os degraus. Volte para as trevas de onde saiu. Agora não era possível identificar quem dizia cada insulto e também não importava muito. Todo tipo de coisas eram jogadas em sua direção, deixando um rastro de entulhos sobre os degraus que iam ficando para trás.

Quando chegou no alto da escadaria notou que tinha sido uma péssima escolha. Tentou empurrar a porta. Em vão. Estava trancada e ele não teria força suficiente para abri-la. Virou-se e viu vários olhos furiosos lhe encarando. Seguravam toda espécie de objetos para lhe atacar. Não seria uma boa ideia enfrentar aquela dúzia de pessoas enfurecidas. Mas não havia como correr. Mostrou os dentes e saltou sobre o homem que aparentava ser o mais velho do grupo. Lhe mordeu o pescoço, enquanto uma chuva de pedras e paus caíram sobre suas costas. A dor era lancinante. Largou a pele do velho e soltou um grito ensurdecedor quando uma paulada lhe atingiu a coluna, bem acima do quadril. As pessoas se entreolhavam, enquanto ele gemia e se contorcia. Um pequeno garoto bateu-lhe fortemente com um pedaço de pau na cabeça. Não sentiu mais nada. Apenas a escuridão profunda e o frio se espalhando por seu corpo. 

Abriu os olhos, sem ter noção de quanto tempo havia se passado. Estava deitado em uma cama macia, sobre lençois limpos e cheirosos. Do outro lado do cômodo uma garotinha brincava com suas bonecas de pano. Tentou se levantar sem chamar a atenção, mas a dor foi muito forte e gemeu muito alto. Com certeza algum osso havia se quebrado. A garota levantou-se e veio até ele, com alguns pedaços de carne crua. Deixou o prato e ficou olhando-o. Ele não poderia confiar em nenhum ser humano, mas a fome era muita. O sangue ainda fresco desceu por sua garganta. Como aquilo era bom. Era como se estivesse tomando ingerindo algum elixir da vida. Podia sentir suas energias se renovando a cada mordida. A garota se sentou na cama e passou lentamente sobre sua cabeça. Pobre gatinho! Só porque é negro esse povo ignorante o trata com tamanha covardia. Mas não se preocupe, eu cuidarei de você até que se sinta melhor. Aqui ninguém irá te maltratar novamente. Parece que você só traz má sorte para você mesmo, hein!

Este conto foi escrito em resposta ao Desafio Literário Relâmpago da Skynerd, cujo tema proposto foi: "Maldições de uma sexta-feira 13"

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