segunda-feira, 29 de julho de 2013

FAVOR MANTER O SILÊNCIO

Mariana e Mônica eram primas, mas de tão unidas, pareciam mais irmãs. A diferença de idade entre elas era de pouco mais de um ano. Sempre foram muito próximas. Desde a infância dividiam todos os segredos. Agora então, no auge da adolescência, não se desgrudavam nunca. Talvez porque, por hora, os segredos eram mais constantes e os assuntos mais urgentes. Assim como é tudo nessa fase da vida.

Mais uma tarde estavam sentadas sobre a cama conversando. As altas gargalhadas inundavam toda a casa. Sorte delas que naquele dia a mãe de Mônica havia saído cedo e não retornara até então. Primeiro que poderiam conversar à vontade sobre qualquer assunto sem serem interrompidas. Ou pior, sem correr o risco de que alguém acabasse por se inteirar do assunto. Mas não era só por isso. A mãe de Mônica tinha o hábito de assistir novela até quase o anoitecer. Sempre que as garotas exageravam no tom da voz ou dos risos, uma bronca ecoava pela casa toda.

Quando eram crianças, a senhora tinha a mania de botar-lhes medo, dizendo que haviam espíritos na casa e que se continuassem com a algazarra iriam incomodá-los. E, quando essas entidades eram perturbadas, faziam de tudo para que a paz voltasse ao local. Geralmente isso era o bastante para que as garotas não apenas diminuíssem o volume da voz, como para que se agarrassem à saia da senhora e, seja lá o que estivessem tratando, tinha um fim repentino. Mas agora, mais crescidas, essas baboseiras não tinham mais importância.

Já devia ter umas duas horas que elas estavam ali, sentadas sobre a cama com os travesseiros no colo. Vez ou outra uma garota esticava a perna que havia ficado dormente pela falta de circulação, mas nunca davam uma pequena pausa sequer na conversa. O alvoroço causado pelas confissões de ambas ecoava por toda a casa naquele dia. Talvez até da rua fosse possível ouvir suas risadas um tanto quanto insanas até. Em meio a um assunto e outro pararam quando pareceram ter ouvido batidas na porta. Se entreolharam, mas voltaram a conversar sem dar muita consideração àquilo. Logo os gritos inundavam todo o ambiente mais uma vez e novamente ouviram algo bater na porta, mas dessa vez com mais veemência.

Mônica se levantou para ver o que era. Do lado de fora não havia nada. Permaneceu alguns minutos na posição em que estava. Um pé para o lado de fora do quarto, escorada na imensa porta de madeira. Apertou os olhos, mas não observou nada. Encostou a porta mais uma vez e sentou-se na cama. Mal as meninas retomaram os mexericos, a porta vibrou fortemente. Dessa vez foi apenas uma única batida, mas com uma potência incrível.

- Estou ficando com medo, Mônica.

- Deixe de besteira, Mari. A mãe deve ter deixado alguma janela aberta e o vento está fazendo esta porta maldita bater sem parar. Você sabe como venta nessa época do ano por aqui.

- Sim, mas não ouço nenhum som de vento lá fora. E além disso...bem, só essa porta bateu. Estou achando isso muito estranho.

- Ah meu Deus! Vai ficar com medo de assombração agora?

- Não é medo. É uma questão de respeito. Não acredito que essas coisas existam, mas prefiro não tirar a prova.

- Pra mim isso é tudo desculpa de quem está se remoendo por dentro. Se quiser ir pra casa eu te acompanho, caso tenha tanto pavor assim de andar por aí a essa hora da tarde - disse Mônica com um sorriso no canto dos lábios.

- Vamos lá dentro fechar essa maldita janela então. Além do que, não dá para conversar direito com essa bateção de portas a todo momento.

As duas percorreram todos os aposentos, mas nenhuma janela estava aberta e sequer uma corrente de ar foi encontrada. Mariana ficava cada vez mais tensa com aquela situação. Entretanto, não deixaria transparecer isso para a prima. Era bem capaz que aquilo tudo fosse alguma traquinagem de Mônica para assustá-la. Diversas vezes havia caído nas peças da prima, que adorava causar esse pavor nela. Mas dessa vez não iria ceder tão fácil.

Voltaram ao quarto e conversaram sobre o último baile. Enquanto falavam dos garotos mantiveram o tom contido, mas assim que o assunto migrou para os vestidos das outras garotas, a entonação se alterou totalmente. Agora as meninas berravam. Chegaram a ficar sem ar com os comentários maldosos que teceram. Só cessaram o som com mais uma terrível batida na porta. Porém desse vez, Mônica se levantou rapidamente para ver o que era. Do lado de fora, mais uma vez, não havia nada. Apertou bem os olhos, mas continuou sem nenhum resultado. Encostou a porta mais uma vez. Mal as meninas retomaram as fofocas, a porta vibrou fortemente. Dessa vez a batida veio seguida de um "psiu" enérgico.

As garotas se entreolharam durante algum tempo, com a respiração esparsa e um arrepio no corpo. Mas Mônica era muito orgulhosa para confessar o medo que também lhe tomara conta naquele instante. Levantou-se mais uma vez e seguiu na direção da porta, com a cara fechada e uma determinação inabalável. Abriu a porta com tudo e ficou alguns instantes parada naquela posição. Colocou a mão na cintura e deu uma fungada.

- Quem está fazendo essa brincadeira?

Não houve nenhuma resposta. Tudo permaneceu calmo e tranquilo no resto da casa.

- Vamos! Responda! Quem pensa que vai nos fazer medo a essa hora da tarde? Já estou perdendo a paciência!

- Mônica, pare com isso. Volte aqui e vamos controlar o tom de nossa voz durante a conversa.

-Está com medinho, Mari? É claro que isso é meu irmão que já chegou em casa e está brincando com a gente.

- Então deixe ele pra lá e feche essa porta logo. Não estou gostando nada disso.

Mônica fechou a porta e entrou batendo o pé fortemente no chão de madeira. O estardalhaço causado por aquilo era incrível. Nem bem havia se aproximado da cama um estrondo inundou o quarto. O som foi terrível e as garotas levaram um certo tempo até compreender o que havia se sucedido. Bem no meio do quarto havia uma pedra enrolada em papel.

- De onde veio isso? - perguntou Mariana já apavorada.

- Não vi - completou Mônica, ainda meio sem compreender como aquilo havia ido parar ali.

- Mônica, este cômodo está completamente fechado. Não teria como uma pedra desse tamanho ser atirada aqui da forma como aconteceu. Vamos sair daqui logo e esperamos sua mãe lá na frente da casa.

- Pare já com isso, Mari. Não vê que isso tudo é coisa do meu irmão? Ele só está tentando deixar a gente com medo. Bem, você ele já conseguiu, mas eu não vou entregar os pontos assim tão facilmente. Ah, não vou mesmo.

- Não precisa ser tão corajosa sempre. Pense comigo. Como seu irmão teria jogado uma pedra dessas aqui, se tudo está devidamente cerrado em volta?

- Ele deve ter amarrado isso no teto mais cedo e acabamos nem percebendo.

- Amarrar uma pedra no teto? Com que intuito ele faria isso. E, pior, como poderia controlar para que ela caísse bem agora? Isso não tem a menor lógica.

- E o que tem lógica então, Mari? Acreditar que alguma coisa do além atirou essa pedra aqui dentro do quarto? Isso não me parece em nada uma suposição mais plausível.

Enquanto Mariana permanecia enrolada nas cobertas e morta de medo, a prima se abaixou e pegou a pedra na mão. Desenrolou o papel que a embrulhava e abriu-o com cuidado. Deu uma boa olhada e mostrou-o para a prima. "Favor manter o silêncio", eram os dizeres.

- Ainda acha que não é coisa do Bruno mesmo? Olhe essa letra! É dele, tenho certeza - disse Mônica tentando convencer a prima de que tudo não passava de uma grande brincadeira do irmão mais novo.

-  Tem certeza que a letra é mesmo dele?

- Absoluta. Eu reconheceria esse garrancho maldito até no escuro.

- Fico mais aliviada, mas ainda não compreendo como ele conseguiu colocar essa pedra lá em cima.

- Mas isso ele vai ter que nos explicar direitinho. Ou melhor, vai ter que explicar muito bem pra nossa mãe a hora que ela voltar - concluiu dizendo a última parte com a voz bastante alterada, quase gritando.

Novamente, um murro quase abriu a porta, seguido de um longo e arrastado grito de "Silêncio". Mariana sentiu todo o corpo estremecer de pânico. O frio percorreu toda a espinha e os braços se arrepiaram como nunca antes havia pensado ser possível. Já Mônica foi enfurecida na direção da porta. Abriu-a com tanta violência que a mesma quase se quebrou ao bater na parede. O ruído seco ecoou por toda a casa.

- Já chega dessa palhaçada! Nós não temos medo, ouviu? Por que não para com essa idiotice toda e aparece aqui na nossa frente para tomar uma lição. Vamos! Apareça aqui seu verme!

Mônica não pode continuar os insultos, pois foi interrompida por um grito muito estridente de Mariana, às suas costas. Virou-se e viu a prima paralisada olhando na direção do guarda-roupas. Se virou para aquele lado e lá estava uma senhora, pairando a alguns centímetros do chão. O vestido em trapos, que outrora havia sido de um azul profundo, mostrava algumas manchas escuras. Ela encarou Mônica nos olhos. Mesmo sem dizer nada, era clara a fúria em seu olhar. A coragem da garota se foi por completa e lágrimas escaparam acidentalmente de seus olhos. Tentou gritar ao passo que aquilo se aproximava dela, mas seus músculos não respondiam. Quando sentiu aqueles dedos finos e gélidos lhe tocarem os ombros, tudo se tornou uma profunda escuridão.

Abriu os olhos e estava deitada em seu quarto. Lá também estavam sua mãe, com os olhos circundados por olheiras profundas, junto de Mariana. Não se recordava de nada que havia se passado. Nem mesmo tinha ideia de quanto tempo havia dormido. Quando perceberam que ela estava acordada novamente, levantaram-se das cadeiras e vieram correndo em sua direção. Ela ainda estava meio confusa. Queria perguntar logo o que tinha acontecido com ela, mas não conseguiu. Uma dor aguda no fundo da boca se expandiu por toda a cabeça e quase desmaiou novamente. Voltou a si e lentamente a agonia tomou conta ao compreender que sua língua não existia mais. Agora havia apenas um resquício do músculo que fora brutalmente arrancado. Começou a chorar, assim como sua mãe e a prima inseparável.

2 comentários:

  1. porra arieira conto irado. Gosto muito dessas historias onde mescla o real com o imaginário muito comum em terror . ótimo trabalho

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    1. Caldana!! Poxa, fico muito feliz que tenha gostado, companheiro. Eu estava meio parado nos últimos tempos, mas já estou retomando os projetos =)

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