quarta-feira, 24 de julho de 2013

CLASSY GIRLS

O lugar ainda não estava muito cheio. Melhor assim. Nos últimos tempos estava se tornando muito ranzinza. Lugares lotados demais lhe incomodavam um pouco. Incomodava bastante pra dizer a verdade. Todo aquele burburinho e pessoas se acotovelando já haviam sido o objetivo de toda festa. Não mais. Agora procurava um lugar mais calmo para conversar com os amigos e talvez conhecer alguém interessante. Mas dessa vez deu o braço a torcer foi naquele bar. Não era bem o que poderia se esperar de um bar. Em muito se assemelhava a uma pequena boate, principalmente pela música alta.

Pegaram uma cerveja e ficaram conversando sobre a rodada do futebol naquele final de semana. Esse assunto já havia lhe interessado antes, mas na atual condição do seu time preferia falar outras coisas. Correu o olhar pelas pessoas no bar. A padronização dos jovens lhe impressionava. As roupas eram as mesmas. Mas isso não era o pior. O que realmente lhe incomodava eram as ideias, os assuntos. Parecia que todo mundo pensava igual. Ou melhor, ninguém pensava nada. Era tão difícil se deparar com alguém interessante que desenvolvesse uma conversa menos superficial. Isso lhe cansava um pouco. Mas hoje estava disposto a deixar esse seu novo lado rabugento de lado. Queria se divertir e jogar conversa fora. Saíra de casa com a ideia de ser mais paciente e aproveitar aqueles momentos com os amigos.

Percebeu uma garota sozinha sentada em frente ao balcão. Fisicamente ela lhe atraiu. Era ruiva, com os cabelos muito lisos cortados rente ao pescoço. Usava um batom vermelho muito forte, que contrastava com a pele de um branco extremo. Trajava uma jaqueta de couro preta justa ao tronco e uma calça clara, que ele não pôde identificar bem a cor, pois a luz era meio difusa no ambiente. Ela conversava com um garçom e sorria vez ou outra. Tinha tudo para ser uma mulher interessante. As aparências podem enganar, mas era inegável o ar de determinação que ela transmitia. Mas poderia estar enganado. Acabou por suprimir o desejo de ir até lá e puxar qualquer assunto. Nunca fora tão desinibido assim. Raras vezes tinha iniciado uma conversa com alguma garota sem que houvesse um mínimo sinal da parte dela.

Os amigos continuaram conversando sobre assuntos diversos. Falaram sobre os filmes que haviam estreado naquele final de semana. "Este último do Johnny Depp é muito bom", disse um. "Mas os filmes dele são sempre muito bons", completou outro. Preferiu não entrar nessa conversa e expor a lista de razões pelas quais achava o ator em questão muito supervalorizado. Toda vez que isso acontecia ele acabava se deparando um incansáveis advogados do ator. E, não importava os argumentos de usasse, sempre saía da conversa como uma pessoa chata que não sabia reconhecer um bom talento. Continuou observando as pessoas ao redor, cada vez mais seu olhar se prendendo àquela garota. Ela continuava conversando com o garçom e rindo várias vezes. Além de tudo é bem humorada, pensou consigo.

Ela raramente olhava para quem estava ao redor. Parece que as pessoas aqui também não são interessantes para ela. Se ela for tudo que parece é melhor mesmo que eu não vá até ela puxar algum assunto. A paixão pode ser repentina. Agora nem sabia sobre o que os amigos conversavam. Aquela presença lhe dominava e não conseguia parar de olhá-la. Ela se virou calmamente, observando as pessoas à sua volta. Quando seus olhos encontraram os dela, um discreto sorriso foi lançado em sua direção. Não respondeu logo de cara. Provavelmente era outra pessoa que havia chegado. Talvez fosse o namorado. Com certeza uma garota dessas não está sozinha. Ela fixou o olhar nele e acenou. Agora tinha certeza. Era para ele que se dirigia. Esqueceu completamente dos amigos e deixou-os tagarelando sobre o que quer que estivessem falando.
 
- Uma cerveja, por favor - falou se dirigindo ao garçom.

- Essa desculpa pra começar algum assunto comigo não vai colar, sua cerveja ainda está cheia - disse ela com um sorriso aberto - Lígia - completou lhe estendendo a mão.
 
- Rodrigo. E preciso mesmo pegar outra cerveja, essa aqui já está quente.
 
- É, eu percebi mesmo que você só estava segurando a garrafa, mas não estava bebendo nada. Já deve estar terrivelmente quente mesmo.
 
- Então você estava me observando, suponho.
 
- Estava. Há um bom tempo. E você demorou um pouco para notar. Achei você diferente. Me passou a impressão de que não é do mesmo tipo que enche esse bar sempre. Não sei bem porque, mas me passou um impressão de ser mais interessante que a maioria. E gostei do seu estilo.
 
- Meu estilo? Olha, por essa eu não esperava.
 
- Gostei da sua camiseta. Darth Vader? Passa a ideia de uma pessoa bem humorada e que gosta de cinema. Será que acertei?
 
- Que gosto de cinema você acertou em cheio. Bem humorado, acho que você mesma vai precisar me falar mais no final da noite.
 
- Prometo ser sincera.
 
- Espero que seja.
 
- Eu sempre sou, mas isso não é necessariamente um ponto positivo. A minha resposta vai depender mais de como você vai se comportar - deu um sorriso e uma piscada singela.
 
- E você é da cidade mesmo? Nunca te vi nesse bar antes. E olha que eu costumo frequentar esse lugar com certa frequência. Pelo menos costumava.
 
- Não, na verdade sou de outra cidade, mas moro aqui há algum tempo. Há muito tempo, na verdade, mas estava viajando nos últimos dois anos e só voltei ontem.
 
- Viajando por onde? Se não for muita intromissão minha.
 
- Claro que não. Viajei pela Europa nesses tempos. Conheci vários países, mas fiquei quase nove meses na Áustria. Sou de lá. Minha família é de lá, na verdade.
 
- Interessante, tenho muita vontade de conhecer a Europa. Toda aquela cultura. Deve ser uma experiência fantástica.
 
- Isso é o que mais me atrai a viajar por aqueles países. Já conheci outros cantos da Terra, mas nada se compara ao velho continente europeu. A cultura, as artes, a história parece estar viva em cada rua, em cada prédio. Você deveria ir até lá.

A conversa continuou e os dois pareciam ter se esquecido completamente de tudo ao redor. Era como se já fossem velhos conhecidos. Quem diria que naquele dia Rodrigo encontraria alguém tão interessante. A atenção de ambos só foi tirada da conversa quando começou a tocar Doom and Gloom. Ele acabou cantarolando alguns versos entre um gole e outro na cerveja. Percebendo isso, ela não se conteve.
 
- Você gosta dos Stones?
 
- Na verdade sou simplesmente fascinado por eles.
 
- Mais uma coisa em comum então. Eu amo tudo que eles já fizeram.
 
- Eu tenho a discografia completa deles em meu computador. E várias músicas no celular também, é claro.
 
- Fico realmente impressionada como eles ainda conseguem fazer músicas nessa qualidade, depois de tanto tempo de carreira.
 
- Eu também. Essa música que está tocando é a prova disso. Depois de 50 anos eles ainda conseguem criar algo assim. Algo que seja bom e atual, mas que mantém a cara deles.
 
- Nossa, eu penso exatamente a mesma coisa. Mas, e a velha questão?
 
- Qual?
 
- Beatles ou Rolling Stones? Pense bem, porque essa resposta é muito importante para a minha avaliação a seu respeito, mocinho.
 
- Eu gosto das duas.
 
- Não vale. Tem que escolher uma.
 
- Ah, então eu fico com os Stones. Resposta correta?
 
- Não sei, depende dos motivos. Me convença.
 
- Bem, antes de tudo, volto a dizer que gosto das duas bandas. Mas eu acho que os Stones são mais versáteis. É muito diferente o que eles fazem em cada disco, mas mesmo assim eles mantém alguma coisa que é só deles. Mal a guitarra começa os primeiros acordes e eu sei que é uma música deles. Não sei explicar muito bem o que é, mas tem algo deles em todas as músicas. E então? Resposta certa?
 
- Corretíssima! Eu penso exatamente o mesmo.
 
- Bom então eu devo pegar meu prêmio agora, suponho.
 
- É, você merece. Respondeu corretamente e ainda complementou com bons argumentos - e deu-lhe um suave beijo no rosto.
 
- Esse prêmio foi muito pouco pelo esforço cerebral que tive agora - completou ele, segurando levemente a cabeça dela e levando seus lábios calmamente na direção dos dela.

- Calma lá, rapazinho - protestou quando já estavam quase se beijando, empurrando-lhe com um mão no peito - já devia ter percebido que não sou do mesmo tipo de garota que costuma frequentar esse bar. Não beijo nesses bares, querido. Entendo seu esforço em criar uma boa argumentação na resposta. Mas, para os meus padrões, o prêmio foi mais que adequado. Desculpe, mas eu sou assim. As pessoas que vêm a esses bares só procuram diversão e nada mais. Não se importam com os sentimentos dos outros, só querem curtir o momento. Mas eu não sou assim. E fujo desse tipo de pessoa.
 
-  Mas por que isso? Nunca dá uma chance para ninguém?
 
- Sim, dou muitas chances, como estou dando a você. Se você realmente se interessar, não vai ligar de conversar comigo sem que haja algo além disso. Quem sabe outro dia não rola alguma coisa a mais?
 
- Entendo. Mas não quer dizer que concordo.
 

Ambos riram e continuaram conversando durante muito tempo. Ela saiu um momento para ir ao banheiro e ele virou-se de frente para as pessoas no bar, mas permaneceu sentado com sua cerveja. Os amigos continuavam cercando cada garota que passava em torno deles. No fim das contas, mesmo que não conseguisse arrancar sequer um mísero beijo  dela, já teria valido à pena passar a noite toda apenas conversando. Ela voltou bem no momento em que começou a tocar Dream".

- Nossa, como eu amo essa música. É a minha favorita do Fleetwood Mac. Vamos dançar! - disse ela já puxando-lhe pela mão.

Abraçaram-se e dançaram lentamente. Ela apoiou a cabeça em seu peito e ele sentiu seu perfume. Havia algo angelical naquela garota. Apenas estar tão próximo a ela fazia com que ele experimentasse as melhores sensações que poderia imaginar. Ela lhe transmitia paz. Começou a cantarolar sem nada mais dizer - Thunder only happens when it's rainning. Ela virou-se para ele e completou - Lovers only love when they're playing - e sorriu no canto dos lábios. Ele não se conteve e, mesmo sem pensar, seu rosto moveu-se na direção do dela, que virou-se lentamente.
 

- Não se afobe, menino. Já lhe disse que sou outro tipo de garota. Tudo está perfeito, mas não passará disso. Não aqui. Não hoje.

Permaneceu ali. As mão envolvendo a cintura dela, os lábios encostados na sua cabeça. Estava tudo tão perfeito daquele jeito. Os pensamentos pareciam ter simplesmente desaparecido de sua mente. Nada mais importava. Ninguém mais havia ao redor. Eram apenas eles. Não tinha a mínima ideia de quanto tempo passaram assim. Voltou a si quando, ao redor, as pessoas dançavam de forma frenética. Se deu conta de que agora tocava Little Less Conversation.
 
- Acho que estamos no ritmo errado para se dançar Elvis - disse ao pé do ouvido dela.
- Nossa, nem percebi que música estava tocando. Estava tão bom que simplesmente me perdi em meus pensamentos.
 
- Por mim eu continuaria assim com você pelo resto da noite, mas tenho medo que acabemos tomando alguma cotovelada.

Voltaram ao bar e pediram mais uma cerveja. O tempo parecia não passar ao lado dela. Falaram mais sobre música, cinema, literatura. Até sobre política. Os amigos chegaram e o chamaram para ir embora, mas ele se recusou. Disse que ficaria mais e depois arranjaria um jeito de voltar para casa. As luzes do bar se acenderam e, só então, se deram conta da hora. Precisavam partir porque o estabelecimento já estava para fechar.

Ele a acompanhou até o seu carro. Ela só havia conseguido encontrar uma vaga no final de um beco lateral, bem em frente a um lago que ficava nos fundos do bar. O Sol logo iria dar as caras.
 
- Desculpe-me por hoje, você esperou até agora e nem foi embora com seus amigos. Mas esse é o meu jeito mesmo - disse ela encostada no carro, segurando-lhe pelas mãos.
 
- Não há nada do que se desculpar, foi a melhor noite da minha vida. Quando nos encontramos de novo?
 
- Não vamos. É por isso que me desculpo, pelo que ainda está por vir. Mas é minha natureza, não posso lutar contra. Infelizmente terei de roubar seu coração. Mas quero que saiba que gostei de você de verdade. Você é uma pessoa especial.

Ele tentou dizer algo, mas quando os lábios dela tocaram os seus qualquer pensamento simplesmente se esvaiu de sua mente. Nunca sentira algo tão forte. Era como se estivesse em um sonho, tudo calmo ao redor. A paz lhe tomou conta do corpo. Sentia uma infinidade de sensações de uma só vez. Era como se nada mais fizesse sentido. Não haviam mais problemas. Não haviam mais assuntos pendentes. Tudo poderia ser esquecido. A única coisa que importava era prolongar o quanto pudesse aquele momento.

Já passava das oito horas e o Sol começava a esquentar, quando Antônio entrou correndo no beco que dava acesso ao lago onde se exercitava toda manhã. Seguia perdido em seus pensamentos e na música que saía de seus fones. Mas algo fez com que voltasse à realidade. A cena que presenciou fez seu estômago revirar. Se aproximou para verificar melhor do que se tratava. Tudo era como um filme de terror.

Atrás de uma caçamba de entulhos, um corpo estava estendido. Era tão branco como uma folha de papel, como se sequer uma gota de sangue houvesse ali. Estava completamente enrugado, como nenhum velho poderia ser em vida. Era estranho que não houvesse sangue espalhado pelo local ou pelo corpo daquele senhor. Provavelmente a morte havia sido causada pelo imenso buraco que havia em seu peito. Chegou mais perto e não conteve a ânsia de vômito. Só viu um imenso buraco e um vazio onde outrora estivera seu coração. Mesmo ali não se podia identificar nada de sangue, apenas algumas gotas que haviam manchado a camiseta com a grande face de Darth Vader.

PS 1: O autor compactua com as opiniões de Rodrido sobre Johnny Depp e, principalmente, sobre Rolling Stones.

PS 2: O conto foi inspirado na música Classy Girls (The Lumineers)

Well, she was standing in a bar
I said: "hello how do you do?"
She handed me a beer with a kangaroo
She spoke of places I had never been
That she had travelled to
And we slow danced alone to faster tunes
I made her laugh, I made a pass
I showed her my half-dollar ring, she said:
"That's pretty cool
But classy girls don't kiss in bars, you fool."
So later on the crowd calmed down
And I believe it was as if
Something drew me closer to her lips
Picture my surprise when I had
Tried to lean in for a kiss
And she just smiled and turned her head down quick
I asked her why, and she replied
It was nothing I was doing wrong
It's just what it is
But classy girls, don't kiss in bars like this
No, classy girls don't kiss in bars
Boys will break their backs and hearts
But it's all right
The hardest part is through.

2 comentários:

  1. Gosto muito de contos, apesar de não ter o hábito de leitura voltada para suspense/terror. Mas gostei muito do que li. Achei a história envolvente, principalmente pelas descrições, com riqueza de detalhes e pelo diálogo que foge à monotonia. A forma como o texto é construído permite ao leitor adentrar a história.

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    1. Que bom que gostou, Carla!! Como comentei com você, nos outros contos acho que você vai acabar reconhecendo alguns pedacinhos de RP!! Muito obrigado pelo comentário.

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